A Fábula do Estado da Ilha – Parte VII – O comércio é bom para todos

O comércio é bom para todos

A Fábula do Estado da Ilha – Parte VII

Essa série é de autoria de José Kobori e foi transcrita para a forma de texto, deixarei o link para o vídeo oficial do youtube ao final do texto.

Nesse capítulo você vai aprender sobre:

  • Especialização e comércio

 

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Hoje nosso habitante da ilha irá se mudar para o estado do norte, para aprender sobre possibilidades de produção e porque o comércio é bom para todos. No capítulo anterior nosso habitante da ilha aprendeu sobre a produtividade da economia, algo que para ele era muito além do que imaginava entender. Após aquela noite e já no dia seguinte, o professor o avisou que teria que partir pois já estava com saudades de casa.

Conhecendo novas terras

Vendo que seu anfitrião continuava sedento por novos conhecimentos, fez um convite para que ele passasse uma temporada na ilha do norte, para que pudesse aprender vivendo em uma economia diferente. O habitante da ilha não hesitou em aceitar o convite.

Já no estado do norte agora era o professor que hospedava o habitante da ilha, retribuindo assim a gentileza de seu antigo anfitrião que ficou maravilhado com o conforto da cabana do professor, muito mais moderna e confortável que as cabanas da sua ilha.

Passaram o dia seguinte a sua chegada fazendo um tour guiado pelo professor, aquele comércio pujante no estado do norte em nada se parecia com o da sua ilha.

Muito mais gente nas ruas, mais empreendedores, produtos dos mais variados, muitos dos quais ele nem conhecia. O professor vendo seu novo hóspede impressionado com tudo que via se limitou apenas a ir explicando e lhe apresentando as novidades.

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O habitante acumulava muitas perguntas, mas decidiu guardá-las para a conversa durante o jantar como virou costume quando hospedou o professor em sua cabana no estado da ilha.

No jantar comeram um delicioso bife de gado com batatas assadas, uma iguaria para o habitante da ilha, já que o mesmo nunca havia comido esses alimentos simplesmente porque não existiam no estado da ilha e para ele era uma novidade. Após saborear o último pedaço daquele suculento bife, o habitante buscou a resposta para o que o estava intrigando.

Como era possível aquele comércio pujante que ele viu na ilha do norte ao longo do dia? Como existiam tantos produtos, muitos dos quais ele nem sabia da existência? Como as pessoas do norte não só produziam tanta variedade como também tinham capacidade para adquiri-las?

Autossuficiência x Especialização

Diante da enxurrada de perguntas e vendo que não seria tão fácil explicar para seu novo hóspede, o professor resolveu ensinar de forma bem simples e didática. Utilizou o próprio cardápio do jantar como exemplo. Hoje jantamos carne de gado e batatas, coisas que não existem na sua ilha.

Vamos utilizar este delicioso prato, que espero você tenha apreciado, para entender alguns conceitos além do básico do que já lhe passei. O habitante da ilha fez questão de rasgar elogios ao jantar, disse que nunca havia saboreado tão delicioso prato. O professor então iniciou os ensinamentos da noite.

Um erro que muitos cometem é acreditar na autossuficiência, que é bom não depender de ninguém. No princípio das civilizações e vejo que na sua ilha ainda há muito disso, acreditava-se nisso até para minimizar riscos, afinal não depender de ninguém parece ser a melhor forma de sobreviver. O habitante da ilha agora hóspede do professor fez aquela habitual cara de quem não entendeu nada e perguntou?

Mas a autossuficiência não é o melhor caminho professor? Não, respondeu o agora anfitrião. Mas calma, deixe-me explicar.

Para entender porque as pessoas que você viu hoje ao longo do dia optaram por depender dos outros e como essa escolha melhora a vida delas, vamos imaginar uma economia simples com apenas os produtos do nosso jantar. Imagine que existam apenas dois produtos nesse nosso mundo. Carne e batatas.

E que existam apenas duas pessoas nesse mundo também. Um é o pecuarista e o outro o agricultor. Mas cada um deles gostaria de comer tanto carne como batatas.

Nosso exemplo vai ficar mais claro se o pecuarista só pode produzir carne e se o agricultor só pode produzir batatas. Nesse cenário tanto um quanto o outro poderiam optar por não ter nada a ver um com o outro, certo? O habitante do estado da ilha concordou.

Agora imagine o pecuarista após vários meses só comendo carne assada, cozida, frita, grelhada, ele não vai achar sua autossuficiência tão boa assim, certo? Seu agora hóspede com aquela cara de descoberta já conhecida pelo professor prontamente concordou. É, vendo dessa forma, é verdade.

E o agricultor a mesma coisa, só comendo batatas, assada, cozida, frita, purê de batatas também não vai achar sua autossuficiência uma coisa boa, concorda? Sim, prontamente respondeu o habitante do estado da ilha.

Você apreciou carne com batatas há pouco, não teve tempo pra enjoar de nenhum falou sorrindo professor e foi acompanhado por uma longa gargalhada de seu hóspede.

Agora você consegue perceber que o comércio poderia permitir aos dois desfrutar do mesmo prato que comemos hoje no jantar. Este foi um exemplo bem simples como todos podem se beneficiar do comércio. Mas eu parti de um pressuposto que qualquer um deles pudesse produzir também o outro produto, ou seja, que o pecuarista pudesse produzir também batatas e o agricultor pudesse produzir também gado, só que com um custo maior. Agora aquele semblante de quem não entendeu nada aparecia novamente na cara do habitante do estado da ilha.

Como assim? Não entendi nada, fez logo questão de dizer… Calma… imagine que o pecuarista possa plantar batatas mas suas terras não sejam adequadas para isso.

E que o agricultor possa criar gado, mas por algum motivo não seja bom nisso. Logo plantar batatas é mais caro para o pecuarista do que é para o agricultor. E criar gado é mais caro pro agricultor do que é para o pecuarista.

Ahh… agora entendi, disse seu hóspede. Então cada um se especializa em fazer aquilo que faz melhor e depois comercializa com o outro, assim ambos se beneficiam. Ficou fácil de entender depois dessa sua explicação professor… Que legal!

O professor esperou seu hóspede aproveitar o momento de satisfação com o novo aprendizado e depois serenamente falou: Mas estes ganhos com o comércio não são tão óbvios assim quando um deles é melhor na produção de todos os produtos.

Um silêncio tomou conta do ambiente por alguns segundos, a felicidade no rosto do habitante do estado da ilha sumiu repentinamente sendo substituído por um semblante de desilusão. O professor interrompeu o silêncio fúnebre com um sorriso. Fique tranquilo, vou explicar.

O comércio vale a pena mesmo sendo melhor na produção de todos os produtos?

O exemplo continua simples, mas preste bastante atenção pois os conceitos requerem uma análise mais criteriosa. Como disse, imagine agora que o pecuarista seja melhor tanto para criar gado quanto para plantar batatas. Neste caso será que agora um dos dois optaria pela autossuficiência?

Ou mesmo assim haveria motivos para comercializarem um com o outro? Agora acho que é melhor para o pecuarista optar pela autossuficiência, já que ele produz melhor ambos os produtos. Disse o hóspede do professor.

Você acha mesmo, perguntou o professor? Antes de responder, vamos analisar os fatores que afetam esta decisão… Vamos supor que ambos trabalhem oito horas por dia e cada um possa dedicar este tempo pra plantar batatas, criar gado ou uma combinação das duas coisas. O professor então pega um graveto e desenha no chão batido, uma tabela:

Veja aqui a quantidade de tempo que cada um deles precisa para produzir 1 quilo de cada produto: O agricultor pode produzir 1 quilo de carne em 60 minutos e 1 quilo de batatas em 15 minutos.

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O pecuarista pode produzir 1 quilo de carne em 20 minutos, e 1 quilo de batatas em 10 minutos. Lembra que eu disse nesse exemplo que o pecuarista é melhor em ambas as coisas? Então ele produz tanto carne, quanto batatas melhor que o agricultor.

O professor desenhou então outra tabela, e disse:

Aqui, pra você entender melhor, vou colocar as quantidades de carne ou batatas que eles conseguem produzir se trabalharem as oito horas do dia fazendo só uma coisa. Se o agricultor produzir só carne durante oito horas ele produzirá 8 quilos, e se produzir só batatas ele produzirá 32 quilos. Se o pecuarista produzir só carne ele produzirá 24 quilos, e se produzir só batatas ele produzirá 48 quilos.

Mesmo com as tabelas desenhadas no chão o habitante do estado da ilha ficou meio perdido nas explicações, o professor notando a agonia de seu hóspede continuou explicando… Calma, vou fazer outro desenho e repassar esses dados para você entender melhor… Seria a primeira vez que o habitante da ilha veria um gráfico, coisa que ele jamais imaginaria acontecendo na sua ilha. O professor iniciou o desenho no chão:

Imagine nessa reta vertical a quantidade de carne e na reta horizontal a quantidade de batatas. Lembra da tabela que falei há pouco?

Se o agricultor produzir só carne ele produzirá nas oito horas, oito quilos… E se ele produzir só batatas ele produzirá ao longo de oito horas 32 quilos. Como estamos imaginando que não há comércio e que eles decidiram ser autossuficientes, vamos imaginar que utilizem metade do tempo para produzir cada uma das coisas: quatro horas produzindo carne e quatro horas produzindo batatas. Logo o agricultor produzirá 4 quilos de carne e e 16 quilos de batatas.

 

O balançar da cabeça do hóspede indicou ao professor que com o desenho a explicação parecia fazer mais sentido. Agora o desenho do pecuarista.

Veja, se o pecuarista produzir só carne ele produzirá nas 8 horas, 24 quilos e se produzir só batatas, produzirá ao longo das oito horas, 48 quilos. Novamente, como não querem fazer comércio e ser autossuficientes, ele utilizará quatro horas para fazer cada coisa. Quatro horas produzirá 12 quilos de carne, e nas outras quatro horas, produzirá 24 quilos de batatas.

Agora ficou mais claro disse o hóspede do professor. Como eles optaram pela autossuficiência eles vão produzir e consumir estas quantidades indicadas neste ponto aí que o senhor desenhou no chão. Ou qualquer ponto ao longo desta reta, corrigiu o professor, que são as possibilidades de produção de ambos. Depende das preferências de consumo deles. Mas para simplificar, vamos imaginar que este ponto seja a preferência deles.

Entendi até aqui professor, disse o habitante do estado da ilha. Mas agora fiquei ainda mais confuso, porque o senhor disse que mesmo assim, mesmo um deles sendo melhor em tudo o comércio poderia ser vantajoso para ambos. Seus desenhos aí me fazem acreditar que não… Rindo o professor continuou… Espera aí, vou fazer mais desenhos mas antes vamos imaginar a seguinte situação: Após vários anos comendo aquela combinação de 12 quilos de carne, e 24 de batatas, o pecuarista teve uma ideia e foi conversar com o agricultor, imagine o seguinte diálogo entre eles: Meu amigo agricultor, tenho uma proposta que vai melhorar nossas vidas.

Acho que seria melhor você parar de criar gado e só plantar batatas. Pelos meus cálculos se você passar as oito horas só plantando batatas, vai produzir 32 quilos. Se desses 32 quilos você me der 15 quilos, eu te dou em troca 5 quilos de carne.

Diante da dificuldade de entendimento pelo agricultor, o pecuarista desenhou no chão a sua proposta. Veja bem, no final das contas, Se dos seus 32 quilos de batatas, você me der 15 quilos, vai te sobrar 17 quilos. E agora terá 5 quilos de carne em troca.

Sem nosso acordo, você tem 4 quilos de carne e 16 quilos de batatas. Com o acordo você terá 5 quilos de carne, e 17 de batatas. 1 quilo a mais de ambos os produtos.

O agricultor ainda cético respondeu: A ideia parece boa. Mas não consigo entender como o negócio pode ser tão bom para mim e ser para você também. Nesse desenho que você fez aí no chão parece bastante lógico.

Mas é bom pra mim também, disse o pecuarista. Vou desenhar aqui no chão a minha situação agora. Vamos supor que eu passe seis horas por dia produzindo gado, e duas horas plantando batatas.

Então vou produzir 18 quilos de carne e 12 quilos de batatas, tá vendo aqui? E aponta no desenho para o agricultor. Depois que eu te der 5 quilos da minha carne, em troca dos 15 quilos das suas batatas, ficarei com 13 quilos de carne e 27 quilos de batatas.

Vou consumir mais carne e mais batatas que eu consumo hoje, e desenha a nova situação para o agricultor entender. Não sei não diz o agricultor, parece bom demais para ser verdade. Acredite, fala o pecuarista desenhando outra tabela para que o agricultor deixe o ceticismo.

Conclusão

Nossa situação atual, sem o acordo de comércio entre nós é esta. Você produz e consome 4 quilos de carne, e 16 quilos de batatas. E eu 12 quilos de carne e 24 quilos de batatas.

Se você topar o acordo e passar a produzir só batatas, vai produzir 32 quilos delas. Me dá 15 quilos e recebe em troca 5 quilos de carne. Você terá após o acordo 5 quilos de carne e 17 quilos de batatas.

1 quilo a mais de carne e 1 quilo a mais de batatas. Eu passo a produzir carne por seis horas do dia, assim produzirei 18 quilos de carne e nas outras duas horas produzirei 12 quilos de batatas. Como vou te dar 5 quilos de carne ficarei com 13 quilos, e como receberei 15 quilos de batatas ficarei agora com 27 quilos.

1 quilo a mais de carne e 3 quilos a mais de batatas. Depois de vários minutos analisando essa nova tabela desenhada pelo pecuarista, o agricultor falou: como esse negócio pode ser bom para nós dois, estou confuso apesar dos seus cálculos estarem certos. O pecuarista respondeu: será bom para nós dois porque o acordo comercial vai permitir que cada um de nós se especialize naquilo que fazemos melhor.

Você vai passar mais tempo plantando batatas e eu vou passar mais tempo criando gado. O resultado dessa especialização e do nosso acordo, é que poderemos consumir mais carne e mais batatas, trabalhando as mesmas oito horas por dia. O relato desse diálogo imaginário mal tinha sido terminado pelo professor e seu hóspede do estado da ilha já estava concordando com a explicação do exemplo.

Nossa professor os números não mentem, o senhor está certo! O comércio é bom para os dois mesmo quando um deles é melhor na produção de tudo. E mesmo sorrindo, era visível no rosto do habitante da ilha mais dúvidas que certezas, talvez por tanto conhecimento novo adquirido. O professor então falou: embora correto este exemplo do pecuarista e do agricultor que acabei de lhe dar contém um enigma.

Se o pecuarista é melhor tanto na produção de carne quanto na produção de batatas, como o agricultor pode se especializar naquilo que faz melhor se ele não faz nada melhor? A satisfação no rosto do habitante da ilha imediatamente se transformou em frustração. Puxa professor, é mesmo, não tinha pensado nisso.

Como isso é possível? O professor, bocejando de sono se levantou convidando seu hóspede para se recolher ao descanso. Para solucionar este enigma, preciso te ensinar sobre vantagem comparativa.

Mas isso fica pra amanhã, agora precisamos descansar…

Felipe Guida

Felipe Guida

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